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‘Oppenheimer’ é biografia bela, densa e longa sobre o complexo ‘pai da bomba atômica’

Em novo filme, Christopher Nolan prova que ‘Tenet’ foi apenas um tropeço. Com 3 horas e atuação genial de Cillian Murphy, produção estreia nesta quinta-feira (20) nos cinemas brasileiros.

“Oppenheimer”, novo filme do cineasta britânico Christopher Nolan (“Tenet”), é um triunfo em muitos sentidos.

Mais do que uma cinebiografia que foge à estrutura cansada do gênero, consegue retratar e explorar a complexidade – e eventual humanidade – de um dos personagens reais mais míticos da história contemporânea.

A produção que estreia nesta quinta-feira (20) nos cinemas brasileiros narra a vida e a infame obra de J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy).

Popularmente conhecido por décadas como o “pai da bomba atômica”, o físico é retratado como um gênio complicado, sim, mas também como um ser humano cujas motivações nem sempre são facilmente decifráveis.

Com uma atuação irretocável que deve dar ao menos uma indicação ao Oscar a Murphy (“Peaky Blinders”), finalmente alçado a protagonista após diversos papéis de coadjuvantes nos filmes de Nolan, o diretor e roteirista aproveita cada uma das longas três horas de duração.

Mesmo assim, ainda sofre com alguns de seus maiores cacoetes, como suas conhecidas brincadeiras com linhas do tempo, e obstáculos (leia-se: personagens femininas).

Destruidor de mundos

À primeira vista, seria fácil tratar “Oppenheimer” como “o filme da bomba”. Também seria errado.

Baseado no livro “Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu americano”, de Kai Bird e Martin J. Sherwin, o roteiro de Nolan dá destaque a todo o processo da invenção, claro, mas se debruça mais sobre a vida do protagonista.

Depois de uma breve passagem pela juventude do físico na faculdade, momento mais reflexivo e “fora da caixinha” da trama, a narrativa foca na corrida pelo desenvolvimento da arma antes dos nazistas, que tinham meses de vantagem durante o começo da Segunda Guerra.

A maioria dos projetos do gênero talvez se contentasse em terminar por aí. Mas o cineasta persiste e explora as repercussões de seu sucesso nas décadas seguintes.

Essa segunda metade, inclusive, é provavelmente a mais interessante – talvez por se debruçar mais sobre a política em detrimento da ciência, talvez por causa do desconhecido (todos conhecem, afinal, o resultado do Projeto Manhattan).

Nolan costura então um personagem muito mais complexo do que o mitológico criador da primeira arma nuclear.

A falta de debate sobre o que levaria um cientista tão ligado a movimentos da esquerda a abandonar suas convicções para liderar uma empreitada do tipo incomoda a princípio – tanto quem se preocupa se o filme “passa pano” para o episódio quanto aqueles que concordam com sua decisão.

No entanto, a exploração da complexidade de sua vida resulta em um ser humano com defeitos e qualidades.

Alguém que pode chegar ao ápice de sua carreira ao mesmo tempo em que sente o peso de ser, pelo menos indiretamente, responsável pela morte de mais de 200 mil pessoas.

Beleza falada

O diretor de fotografia Hoyte Van Hoytema (“Dunkirk”) se supera ao dar a beleza habitual de seu olhar sensível para cenas mais mundanas.

No épico de guerra pelo qual foi indicado ao Oscar era fácil. Dar graça ao diálogo de dois cientistas em um corredor, por outro lado, é mais complicado. E cenas do tipo são a espinha dorsal do filme.

Há uma fagulha de espetáculo visual pelo qual Hoytema e Nolan são conhecidos, mas o que carrega a produção são mesmo as conversas – física quântica, negociações de planejamento, estratégias militares, política acadêmica, política científica. Até política política entra.

Com suas idas e vindas temporais, o diretor deixa tudo ainda mais denso. Não é simples acompanhar as viagens do cineasta, uma de suas grandes marcas. Ao final das três horas, muitos podem se sentir como alguém que correu uma maratona.

O Oscar vem

No centro de “Oppenheimer” está também seu elenco recheado de nomes premiados gigantes e, no centro desse elenco, está Murphy.

Desde que foi revelado em “Extermínio” (2002), o irlandês de 47 anos merecia uma plataforma como protagonista para que seus colegas pudessem celebrar seu talento. Uma indicação ao Oscar é certa. A vitória, muito provável.

Seu Oppenheimer é tão grande que os personagens ao redor ficam pequenos, por melhores sejam os intérpretes. Uma escolha também do roteiro, sim, mas acertada.

Kenneth Branagh (“Tenet”), Josh Harnett (“Esquema de risco – Operação Fortune”), Gary Oldman (“O destino de uma nação”), Casey Affleck (“Manchester à beira-mar”) – todos tão competentes quanto passageiros.

Há outros destaques, no entanto. Como o grande contraponto a Murphy, o mais perto que “Oppenheimer” tem de um antagonista, Robert Downey Jr. (“Homem de Ferro”) entrega um trabalho que também pode ser lembrado pela Academia.

Nega-‘Barbie’

Já do lado negativo, Matt Damon (“Air: A história por trás do logo”) é muito Matt Damon para o filme. Seu talento é inegável, mas nem todo mundo combina com qualquer projeto. O tempo inteiro seu general parece dois tons acima dos demais.

A seu lado, estão as sempre celebradas Emily Blunt (“Um lugar silencioso”) e Florence Pugh (“Midsommar”).

Não que elas tenham culpa. O problema de Nolan com personagens femininas é notório, e não seria diferente em um drama sobre comunidade científica nos Estados Unidos no começo do século 20.

A tristeza é assistir a duas atrizes do tamanho da dupla relegadas a quase muletas, com personagens cujas existências só se justificam pela jornada do protagonista. Como já chega a ser clichê na carreira do cineasta, uma delas chega até a morrer (história não é spoiler. Se liga).

Como praticamente todos além de Murphy e Downey Jr. têm tempo limitado de tela, os problemas do trio não são tão gritantes – mas com certeza alguém, em algum lugar, deve saber como dar mais agência às mulheres da vida do físico.

Com tudo isso, “Oppenheimer” é quase um negativo de “Barbie”, filme com o qual divide a estreia – algo que tem sido celebrado de forma um pouco desproporcional nas redes sociais.

Ambos humanizam seus protagonistas e exploram temas complexos, mas Nolan parte para uma história real mais cinzenta (e muito mais longa), com foco na ciência em relação à magia absurda da boneca, e com o oposto direto em relação à proporção e à importância dos gêneros na trama.

Fonte: Por Cesar Soto, g1

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