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Para viver Gal, Sophie Charlotte teve ‘isolamento tropicalista’ com atores e verão em Salvador

Atriz conta ao g1 como adaptou voz e sotaque para estrelar cinebiografia da cantora, que estreou nesta semana: ‘Tinha muito medo da caricatura, era uma questão para mim’.

Em 2014, a atriz Sophie Charlotte surpreendeu o público pelo talento vocal, ao aparecer numa cena do remake da novela “O Rebu” cantando o clássico romântico “Sua Estupidez”. A performance lhe rendeu o convite para um dueto com Roberto Carlos no programa especial do fim daquele ano.

Quase dez anos depois, ela chega aos cinemas na pele de Gal Costa, que gravou a mesma música em 1971 e já a apresentou ao vivo ao lado de Roberto.

A cinebiografia “Meu Nome É Gal” estreou nesta quinta-feira (12), com Sophie cantando com timbre e sotaque bem mais próximos aos da artista. A voz do filme, ela conta ao g1, é resultado de um estudo profundo sobre a discografia, a respiração e os trejeitos de Gal.

“Tinha muito medo da caricatura, porque eu respeito muito ela. E, como fizemos esse filme pensando que ela assistiria no cinema, tinha essa questão para mim”, diz.

Sophie Charlotte interpreta Gal Costa na cinebiografia 'Meu nome é Gal' — Foto: Stella Carvalho/Divulgação

Em vida, a própria cantora endossou o nome de Sophie como sua intérprete, por reconhecer na atriz a timidez e uma certa melancolia, que marcaram sua juventude.

Ambientado entre o fim dos anos 60 e começo da década seguinte, o longa é centrado no movimento interno de Gal nos primeiros anos da carreira: da menina encabulada sob a barra da saia da mãe à figura lendária, que se tornou símbolo da liberdade pregada pela Tropicália.

A artista chegou a acompanhar a maior parte do processo de produção do filme antes de morrer, em novembro de 2022. Encontrou-se com Sophie algumas vezes antes das filmagens.

“Não fiz desses encontros entrevistas, e nem ela fez deles uma necessidade. Ela deixou todos nós muito livres durante o processo.”

Na entrevista abaixo, a atriz fala sobre as conversas com Gal, as semelhanças com a personalidade da artista e a preparação para viver a personagem, que incluiu um verão em Salvador e uma temporada morando com os colegas de elenco numa casa em Cotia, na Região Metropolitana de São Paulo.

g1 – Você já tinha uma proximidade com a música antes desse filme, mas nele sua voz está diferente, mais próxima do timbre da Gal. Como foi o trabalho de fazer essa adaptação?

Sophie Charlotte – Foi um mergulho muito profundo no fonograma, na discografia mesmo. Eu fiquei durante toda a pandemia num processo meu com o fonograma. Não podíamos nos encontrar, então naquele período eu fui buscando a respiração dela, as viradas, os jeitinhos, os charmes que ela colocou em cada canção, tentando entender que história ela estava contando em cada fonograma.

Claro que existe uma distância: a voz de cristal é dela. Mas eu acho que o nosso filme transita bem com essa ideia da construção de uma canção, do ensaio, a preparação até ir para o estúdio e aí ter o fonograma e depois o palco, a expressão. E no filme também tem a própria voz dela, que é única.

Sophie Charlotte canta com Roberto Carlos no especial de fim de ano de 2014 — Foto: Isac Luz / Ego

g1 – A voz de Gal é um símbolo muito vivo no imaginário das pessoas e há muita cobrança em torno de trabalhos relacionados a ela. A cantora Marina Sena fez um show em homenagem a Gal no festival The Town e a performance dela acabou sendo muito debatida. Você teve medo dessa cobrança?

Sophie Charlotte – Eu acho que tudo que a gente faz na vida artística envolve riscos, não tem jeito. Quando estamos nos comunicando com alguém, outra pessoa também vai participar, seja ouvindo ou assistindo. Desse encontro vão surgir opiniões e desdobramentos, então eu acho que nunca estamos imunes quando estamos artisticamente ativos. Medo todo mundo tem, eu também tenho, é óbvio, mas o desejo era maior do que o medo, a coragem foi maior. E a dedicação que todos nós colocamos nesse projeto foi muito absoluta e apaixonada. Agora está com público.

“Claro que o que estamos fazendo é um filme de ficção. Todos que vão aos cinemas sabem que eu não sou a Gal Costa, não é um documentário.”

É como se eu desse muitos passos, todos que eu consegui dar, em direção ao público, mas eu também conto com que o público dê um crédito de entrar nessa história sabendo que são atores contando ela. Eu amo cantar e eu amo atuar, então eu juntei paixões para homenagear Gal.

Sophie Charlotte como Gal Costa numa cena de 'Meu nome é Gal' — Foto: Stella Carvalho/Divulgação

g1 – Muita gente elogiou o seu sotaque quando saiu o trailer do filme. É bem característico de onde Gal cresceu, no bairro da Graça, em Salvador. Como você chegou nesse jeito de falar?

Sophie Charlotte – O mergulho que eu fiz no verão que passei em Salvador, com as minhas diretoras, foi luminoso. Foi muito importante para entender a cidade, a geografia de Salvador, as pessoas. Eu fiz muitos amigos. O ritmo, o gosto, o cheiro. É uma cidade tão plural. Sotaque para mim é sempre um grande desafio, não é uma coisa que vem tão fácil, tão naturalmente, mas que era importante para o filme.

E tem o sotaque, mas também tem a exclusividade do jeitinho de Gal de falar. Eu fui buscando entrevistas, declarações dela, o ritmo dela de falar. E eu acho que está bonito no filme: ele aparece, mas — para mim pelo menos — ele está na medida sabe?

“Eu tinha muito medo da caricatura, do sotaque e da caricatura da Gal como um todo, porque eu respeito muito ela. E, como fizemos esse filme pensando que ela assistiria no cinema, tinha essa questão para mim.”

g1 – O filme começou a ser idealizado e produzido quando Gal ainda estava viva. Como foram os encontros com ela antes das filmagens?

Sophie Charlotte – É muito emocionante para mim falar disso, saber que ela tinha esse desejo. Depois do documentário “O Nome Dela É Gal”, que Dandara dirigiu, ela ficou tão feliz que quis que Dandara conduzisse esse projeto, juntamente com Lô Politi. Quando pensaram no meu nome, Gal endossou, ela achou bom e isso me emociona mesmo, porque é uma grande responsabilidade, uma grande oportunidade de viver e aprender com ela.

Encontrei a Gal pontualmente, algumas vezes, e ela foi sempre muito carinhosa, muito suave, muito simples. Para mim, cada um desses encontros foi muito especial. Todos nós da equipe fizemos esse filme como uma homenagem. Fizemos para Gal.

Luis Lobianco e Sophie Charlotte numa cena de 'Meu nome é Gal' — Foto: Stella Carvalho/Divulgação

g1 – Nessas conversas, ela chegou a te dar dicas sobre os próprios trejeitos, que você reproduziria no filme?

Sophie Charlotte – Nossos encontros eram muito singelos. Ela é minha “ídala”, sou muito fã de Gal, então eu também ficava respeitando o ritmo das coisas. Não fiz desses encontros entrevistas, e nem ela fez deles uma necessidade. Ela deixou todos nós muito livres durante o processo. Mas é claro que estar na presença dela já me iluminou muito, principalmente sobre a doçura, o jeito dela. Ela me disse algumas coisas, mas eu guardo no coração, são muito pessoais.

Quando meu nome chegou — a Dandara me contou isso –, a Gal incentivou a escolha, falou da questão do olhar, do timbre. Ela me falou de um jeito curioso sobre a melancolia que ela tinha nesse momento da juventude, que eu acho que eu compartilho com ela. Eu fui descobrindo pontos de contato, o que para mim é uma grande honra e quase inacreditável ter pontos de contato com seu ídolo dessa forma,

Por isso também, eu achei que cabia a gente se incluir nesse processo, no sentido de não usar aquele método em que você não pode parecer você em nada. Eu estava ali curtindo, aproveitando a filmagem desse longa, me dando a oportunidade de me divertir, até porque o público me conhece já há alguns anos.

“Cresci e amadureci trabalhando em novelas e em filmes, então seria meio inviável para mim ter essa pretensão de que ninguém iria me associar ou me reconhecer no trabalho.”

g1 – Dandara disse em entrevistas que Gal também reconheceu em você a timidez que ela tinha na juventude. Como ela, você precisou superar a timidez para se tornar uma pessoa pública?

Sophie Charlotte – Eu não sei se timidez é a palavra, mas talvez seja a palavra mais usada para pessoas com personalidades como a da Gal ou que têm alguma questão como a minha. A minha questão pessoal era conseguir um espaço para o meu trabalho estar no centro da conversa de uma entrevista como essa, por exemplo, do meu trabalho ser reconhecido e ganhar espaço no meu discurso, mais do que opiniões ou polêmicas e questionamentos.

Não que eu não tenha essas opiniões, mas eu escolho conduzir através do meu trabalho a minha voz, minha ação artística no mundo. E eu acho que a Gal também, durante toda a vida dela, conduziu esse espaço público, em contraste com a privacidade dela, com muita clareza. Eu não acho isso um demérito, acho importante ter essa possibilidade.

Num outro aspecto, eu sempre fui muito crítica com meu trabalho e eu tive que aprender a ter uma visão crítica sem ser dura demais, sem deixar a crítica ficar maior do que a diversão. Isso tem sido um grande aprendizado. No processo do filme, fui muito feliz e cada vez mais eu procuro conduzir meu trabalho com todo compromisso e responsabilidade, mas também entendendo o que é possível, o que deu para fazer ali naquele momento.

g1 – O elenco de “Meu Nome É Gal” chegou a morar junto por um tempo. Como foi essa experiência? Foi um exercício de tentar reproduzir o ambiente da Tropicália?

Sophie Charlotte – Essa ideia surgiu numa conversa com um amigo e eu levei para Dandara. Era uma ideia que casava muito com o momento em que estávamos, ainda na pandemia, com muita testagem, todo mundo de máscara. Estarmos num isolamento tropicalista era interessante para o filme e para a nossa segurança de trabalho.

A gente encontrou um espaço bem interessante em Cotia, que tinha áreas comuns compartilhadas — sala, cozinha, piscina, uma sala de ensaio — e cada um tinha o seu quarto e o seu banheiro, então tinha a possibilidade de cada um ter privacidade, mas também da gente conviver para além dos ensaios.

Numa rotina normal, você ensaia e depois volta para casa, para o seu ritmo. Nesse tempo em que ficamos juntos, ensaiávamos e, depois, comíamos juntos e trocávamos ideias sobre o que cada um estava descobrindo. Todos colaboraram muito na construção de todos os personagens. Vimos filmes, vimos referências, vimos juntos a série documental sobre Nara Leão [“O Canto Livre de Nara Leão”, do Globoplay], que tinha sido lançada na época, e ficamos todos apaixonados.

“Fizemos festinhas, tocando, cantando e curtindo juntos. Intimidade é uma coisa muito difícil de forjar, então estávamos ali nos conhecendo e conhecendo nossos personagens.”

Dan Ferreira e Rodrigo Lellis interpretam Gilberto Gil e Caetano Veloso no filme 'Meu nome é Gal' — Foto: Stella Carvalho/Divulgação

g1 – O filme traz um debate interessante, que acabou se tornando muito atual: é dever ou não dos artistas assumir posicionamentos políticos e sociais? O que você acha?

Sophie Charlotte – A Gal se posicionou muito durante a vida. Ela se posicionou nas últimas eleições, claramente. Eu acho que a arte tem essa responsabilidade de dialogar com o tempo em que vivemos. O nosso filme fala justamente dessa luta de resistência de artistas durante a ditadura militar, segurando a bandeira da liberdade, do amor, da alegria e da brasilidade. São bandeiras muito poderosas. A gente deve muito a todos esses artistas e a toda essa resistência.

Eu acho esse um questionamento importante, mas não exclusivo da classe artística. Esse filme pode ser percebido por tantos ângulos. Na verdade, talvez ele estabeleça um convite para a juventude agir a perceber seu país e seu tempo. E também para a gente refletir sobre assuntos femininos, assuntos do Brasil que aconteciam naquele momento e que acontecem hoje.

Fonte: G1

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