Preencha os campos abaixo para submeter seu pedido de música:

Menu

Recrutadores contam histórias de jovens que levaram os pais em entrevistas: ‘Mãe me ligou querendo bater boca’

O g1 conversou com líderes de grandes empresas da área de recursos humanos, e eles apontam que comportamento quase sempre não é visto com bons olhos e que, por serem mais novos, universitários tendem a demonstrar níveis mais altos de insegurança.

Recrutadores contam histórias de estudantes levam pais em entrevistas de estágio — Foto: Drazen Zigic/Freepik

Um levantamento feito pela consultoria educacional norte-americana Intelligent mostrou que jovens recém-formados estão levando os pais para participarem de suas entrevistas de emprego nos Estados Unidos. Cerca de 20% dos profissionais em cargos de liderança entrevistados pela pesquisa disseram ter observado o comportamento.

A pesquisa foi respondida em dezembro de 2023 por 800 gerentes, diretores e executivos dos Estados Unidos que estão envolvidos em processos de contratação.

  • g1 conversou com recrutadores de grandes empresas brasileiras sobre o tema;
  • Eles identificaram que o fenômeno tem acontecido também com candidatos a vagas de estágio no Brasil;
  • Os profissionais contaram que, por serem mais novos, os universitários tendem a demonstrar níveis mais altos de insegurança;
  • E que a conduta pode ser interpretada de diversas formas, mas quase sempre não é vista com bons olhos por quem tem o poder da escolha;

Mãe ‘demitiu’ a filha do próprio trabalho

Eduardo Migliano é fundador da 99jobs, uma das maiores plataformas de emprego do Brasil. Ele contou que viveu uma experiência inusitada relacionada à experiência de pais e filhos no ambiente de trabalho.

“Eu estava conversando com uma pessoa no WhatsApp, e ela me respondendo. Quando percebi, era a mãe dela, que me ligou do número da menina querendo bater boca comigo e a demitiu do emprego.”

“Na época, era uma pessoa mais velha que eu, era uma colaboradora, não uma estagiária. Na hora, eu falei: ‘Olha, você não tem a competência para demiti-la. Vou marcar uma reunião e espero que ela me encontre para darmos seguimento ao que aconteceu’. Tinha ficado uma situação tão chata que a pessoa não teve para onde ir que não fosse pedir demissão”, lembrou Migliano.

Sobre o comportamento de incluir pais e responsáveis nas entrevistas, ele lembra que isso passou a ser mais comum com o aumento de processos online.

“As pessoas estão normalizando processos seletivos em contextos de mais flexibilidade, né? ‘Você se sente melhor trazendo a sua mãe? Então traga’. Não pergunta se faz sentido. Mas isso é menos de 1%”, afirma.

Segundo Eduardo, esse fenômeno carrega uma raiz ligada a privilégios de classe: “Tende a acontecer em lugares de mais privilégio, onde a mãe pode ir no horário que marcaram a entrevista com o filho. Você acaba ficando ‘refém’ de uma série de tratativas e comportamentos que não conversam com a narrativa de arrumar um emprego”.

Mãe não deixou entrevistadora conversar com filho

Gerente de relacionamento com instituições de ensino no Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube), Camila Garcia, disse que, atualmente, os pais estão mais preocupados e acolhedores — o que pode ser positivo na maioria dos casos.

“Mas em outros casos pode se tornar superproteção. Ao mesmo tempo, temos uma geração de filhos com mais ansiedade, dificuldade de se comunicar e se relacionar e o desejo de entrar no mercado de trabalho é menor. Com isso, os pais precisam impulsionar mais os filhos. A superproteção e a ansiedade deixam seus filhos mais dependentes, o que dificulta a relação com o trabalho e independência”, apontou.

Ela contou sobre duas experiências recentes: “Foi uma tentativa de contato prévio para explicar sobre a vaga de estágio e fazer um teste rápido. Ao ligar, a mãe atendeu. Pedi para falar com o candidato, ela disse que eu poderia falar com ela, pois era sua mãe. Reforcei que era importante ele mesmo ouvir e decidir sobre a oportunidade. A mãe insistiu que não passaria o telefone para o filho pois ele era envergonhado”.

“Outra vez, em uma entrevista presencial, o candidato foi com seu avô para o processo. Ao entrar na recepção, o avô e o candidato se apresentaram e explicaram o motivo de estarem juntos e seus receios quanto à vaga. Apesar do interesse, pedi que o senhor aguardasse na recepção”.

Recrutadora viu pai ‘escondido’ durante entrevista

Patrícia Santos, fundadora da EmpregueAfro, consultoria de empregos focada em equidade racial, lembrou um caso marcante durante uma entrevista online:

“A candidata estava em frente à câmera, e o pai ao lado. E eu fazia as perguntas, ela parava um pouco, olhava disfarçadamente para o lado, dava para ouvir o pai falando baixinho. Aí ela respondia… Até a hora que eu falei ‘Eu preciso ouvir o que você pensa, fica tranquila, segura. Quem está aí do seu lado é seu pai?”.

A especialista em recursos humanos disse que a candidata confirmou a presença do pai e ficou profundamente sem graça. “Eu falei ‘Então, dava para ver só a manga da camisa dele. É importante que você demonstre quem você é, que você traga as respostas. Obrigada, viu pai?'”.

O rapaz apareceu na videochamada, se apresentou e foi informado de que era importante que a filha conversasse de forma independente. “Fico feliz que o senhor esteja aí apoiando, mas ela vai falar direitinho”, disse ela na ocasião.

Segundo Patrícia, trata-se de um fenômeno recente: “Acontece de uns 5 anos para cá. Essa geração muito ligada à tecnologia tem mais dificuldade de interação com as pessoas. São mais tímidos, travam mais na hora de falar. E aí os pais, querendo ajudar, acabam participando bastante de entrevistas juntos. Chega a ser engraçado, mas é algo que a gente tem que observar”, apontou.

“Eu interpretei de um jeito engraçado, porque eu sou mãe, tenho quatro filhos. Ano passado a gente atendeu cerca de 30 empresas de grande porte, né? Diversos tipos de segmentos diferentes. Temos RHs diferentes, né? Há pessoas que entendem que isso é extremamente desagradável. Pode passar uma imagem de que o jovem não tem independência e, consequentemente, não vai conseguir trabalhar se não tiver alguém do lado sempre pegando no pé”.

Patrícia afirma que o comportamento “pode estar atrelado à dificuldade que essa geração tecnológica tem de interação com as pessoas”. “Esses jovens são muito fechados no mundo deles Têm muita dependência emocional dos pais. Eles têm dificuldade de lidar com as gerações mais velhas, principalmente a Y, que está nessa posição de recrutamento, que é a minha geração, de quem nasceu dos anos 80. Eles têm dificuldade de falar sobre si, sobre suas características”.

“Enquanto você não andar sozinho, não tomar um tombo, ralar o joelho e aprender caindo… Como pais, queremos que eles não caiam, mas faz parte. É importante que os pais deixem os filhos livres para que eles possam crescer mais”, completou.

Pais preenchem formulários e questionam reprovação

Gerente de projetos da Companhia de Estágios, Jéssica Gondim diz que, com o aumento de processos online, formulários de inscrição de vagas de estágio começaram a ser preenchidos com dados dos pais dos candidatos: “Quando ligamos para convidar para entrevistas, descobrimos que estamos falando com a mãe”.

Mas também há casos no presencial: “Uma mãe levou o filho para a entrevista na empresa, mas não o deixou na porta, ela entrou junto no local e ficou aguardando num espaço do lado de fora da sala de reunião onde aconteceu a dinâmica de grupo com vários candidatos”.

“Também acontece de os pais cobrarem sobre o retorno em relação à vaga já no dia seguinte. Falam: ‘Meu filho precisa trabalhar, por que não foi aprovado?'”.

Na experiência dela, antes da pandemia, quando a maioria dos processos eram feitos de forma presencial, o comportamento aparecia com mais frequência. “No entanto, com os testes online, por exemplo, sabemos que os pais podem estar ao lado ouvindo ou colaborando de outra forma”.

“Depende muito do contexto, se for uma vaga de Jovem Aprendiz, o candidato for menor de idade, o processo for em um local muito distante, é normal que os pais se preocupem, mas quando o candidato já tem 18 anos, para vagas de estágio, assistente, o esperado é que ele tenha autonomia e segurança para ir sozinho. Faz parte do processo demonstrar maturidade”.

Mercado de trabalho cada vez mais jovem

“O jovem não está vindo para o mercado de trabalho como um adulto de 18 ou 19 anos, mas como uma criança. Estão entrando mais cedo no mercado”, analisa Eduardo Migliano.

“Nós não vamos nos aposentar com 60 anos. Se as pessoas estão passando mais tempo trabalhando, aquilo que antes era um jovem profissional, é como se fosse uma criança trabalhando atualmente”, apontou.

Segundo ele, é grande a probabilidade de o candidato ser visto de forma negativa ao levar responsáveis para a entrevista: “O nível de responsabilidade que se assume fazendo parte do processo seletivo dentro da organização, mesmo que seja um estágio, é grande. Difícil a empresa ver como uma atitude natural.

“O processo seletivo é uma microexperiência do que a pessoa vai viver no dia a dia. Se ela não soube lidar com a experiência micro daquelas poucas horas, imagina todos os outros dias”.

“Reforço: faço muito processo seletivo — e não é relevante para ter amostragem disso, é um ou dois casos num processo seletivo de 5 mil vagas. Mas tem”, completou Migliano.

Fonte: G1

Deixe seu comentário: